Por que Janot
pede a prisão de alguns políticos e de outros não?
Ao pedir a prisão por obstrução de
Justiça de Renan, Jucá, Sarney e Eduardo Cunha e poupar Dilma, Mercadante, Lula
e Cardozo, que cometeram o mesmo crime, o procurador-geral da República Rodrigo
Janot demonstra parcialidade, provoca reações no Congresso, no STF e coloca em
risco a própria Lava Jato
NO ALVO Cunha, Sarney, Jucá e Renan
(da esq.à dir.) podem ser presos por obstruir a Justiça
SÉRGIO PARDELLAS
PROTEGIDOS
Dilma, Cardozo, Lula e Mercadante (da esq. à dir.) não foram sequer denunciados
por Janot
Uma escultura em granito adorna a entrada por onde atravessam todos os
dias os ministros do Supremo Tribunal Federal. A estátua caracteriza Têmis, uma
das deusas da Justiça na mitologia grega. Como símbolo da imparcialidade, exibe
os olhos vendados para significar decisões tomadas às cegas, ou seja, sem fazer
qualquer distinção entre as partes nem privilegiar um lado em detrimento do
outro a partir de ideologias, paixões ou interesses pessoais. Na última semana,
não fosse matéria inanimada, a venda teria escorregado como manteiga do rosto
de Têmis. O responsável por submeter a retina da Justiça a situações
constrangedoras, das quais ela deveria estar sempre e a qualquer tempo
blindada, é o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ao pedir a prisão
por obstrução de Justiça de Renan Calheiros, Romero Jucá, José Sarney e Eduardo
Cunha, todos do PMDB, e poupar pelo mesmo crime Dilma Rousseff, Lula, José
Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante, do PT, Janot, chefe do Ministério
Público, um órgão auxiliar da Justiça, mandou às favas o princípio da isonomia
o qual deveria perseguir cegamente. Na régua elástica do procurador-geral, os
rigores da lei válidos para os peemedebistas contrastam com a condescendência
dispensada no tratamento a políticos do PT.
(Crédito: Lula Marques/Folhapress, PODER)
Senão vejamos. Resta evidente, após dois anos de Lava Jato, que um
partido, o PT, – único detentor de caneta, verba e tinta para sacrificar a
maior estatal do País em troca de propinas e dinheiro ilegal para campanhas – ,
comandou o Petrolão. Os tesoureiros e principais dirigentes petistas são os
engenheiros e os motores da complexa engrenagem da corrupção na Petrobras.
Também estrelados integrantes do petismo, entre os quais a própria mandatária
afastada do País, Lula e dois ex-ministros de Estado, Aloizio Mercadante e José
Eduardo Cardozo, foram flagrados em áudios incontestáveis em inequívocas
maquinações contra a Justiça e as investigações da Lava Jato. A despeito da
ululante constatação, não são do PT e sim do PMDB os políticos mais encrencados
até agora por Janot.
O despacho do procurador-geral pela prisão do trio do PMDB e de Cunha,
pronto havia 15 dias, veio à baila na última semana trazendo em seu bojo o
mesmo objeto capaz de implicar os petistas: a tentativa de criar embaraços à
Lava Jato. Renan, Jucá e o senador aposentado, José Sarney, em gravações feitas
por Sérgio Machado, discutem maneiras de enfileirar pedras no meio do caminho
das investigações. Constituem-se ali meras intenções. Graves, decerto. Os três
são habituês em escândalos e, comprovado o cometimento de crimes, são
merecedores da punição adequada. Até de prisão, se assim prever a lei. Mas em
nenhum momento das gravações há a menção a qualquer iniciativa que tenha
obstruído de fato as investigações. O que se conhece, até o momento, ao menos
no quesito obstrução de Justiça, não justifica mandá-los para trás das grades.
É inquestionável: os tratamentos, até agora, foram desiguais. Enquanto que de
um lado há elucubrações sobre como criar empecilhos ao trabalho da força-tarefa
de procuradores e policiais federais, do outro há ações concretas para liquidar
a Lava Jato. “A grande maioria da população não entende porque o caso das
gravações de Sérgio Machado teve andamento tão rápido, enquanto áudios de Lula
e Dilma, que comprovadamente mostram ação de obstrução de Justiça, permanecem
na gaveta. Janot tem de explicar”, cobrou o ex-deputado Roberto Jefferson.
Obstruir a atuação da Justiça é crime tipificado no inciso 5 do Artigo
6º da Lei 1.079, que define os crimes de responsabilidade passíveis de perda de
mandato. Dilma foi apanhada em interceptação telefônica, autorizada pelo juiz
Sérgio Moro, numa conversa com o ex-presidente Lula para combinar os detalhes
de sua nomeação para a Casa Civil. No diálogo, Dilma disse a Lula que enviaria
a ele por intermédio de um emissário um “termo de posse” para ser utilizado “em
caso de necessidade”. A presidente começava a atuar ali para impedir que o
destino de Lula ficasse nas mãos do juiz Sérgio Moro. A intenção de impedir a
livre atuação do Judiciário já estava caracterizada. Na sequência, o que se
encontrava no plano das ideias foi consumado. O documento não apenas foi
entregue por ela a Jorge Messias, como numa iniciativa nunca antes adotada na
história republicana, a Presidência fez circular uma edição extra do Diário
Oficial para dar publicidade legal ao ato de nomeação no mesmo dia em que foi
assinado pela presidente. Para Miguel Reale Jr., um dos juristas signatários do
pedido de impeachment de Dilma, o episódio representou uma afronta aos
princípios republicanos: “É um ato de imoralidade administrativa e política”,
afirmou. Antes, a presidente afastada já havia tramado, com a contribuição do
então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, nomear Marcelo Navarro como
ministro do STJ em troca da soltura do empreiteiro Marcelo Odebrecht.
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS Rigor de
Janot só vale para um lado (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
A nomeação também se concretizou e, conforme o combinado, Navarro, ao
relatar o habeas corpus do empresário, votou por sua liberdade. Como se sabe,
Odebrecht só não foi solto naquela ocasião porque Navarro foi voto vencido no
tribunal. Lula, por sua vez, no mesmo lote de gravações, foi apanhado numa
série de investidas para barrar as investigações da Lava Jato. Antes, Lula já
havia acertado com Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma, o pagamento a
Nestor Cerveró, por intermédio do filho do pecuarista José Carlos Bumlai, num
esforço descomunal para evitar a qualquer custo a delação do ex-diretor da
Petrobras. Hoje se sabe o porquê. Já Aloizio Mercadante, ex-ministro da
Educação, foi gravado numa ação semelhante: a tentativa de compra do silêncio
de Delcídio, cuja delação, se saberia a posteriori, enredaria Lula e Dilma. Até
agora, contra Dilma há um pedido de investigação, subscrito por Janot e ainda
não julgado pelo STF. Lula, por sua vez, experimenta uma espécie de limbo
jurídico. Na sexta-feira 10, será completado um mês que os procuradores da Lava
Jato pediram ao STF a devolução dos inquéritos envolvendo o ex-presidente petista
e nada foi feito. Na lista, aparecem os episódios do sítio em Atibaia, do
tríplex no Guarujá e dos valores recebidos de empreiteiras por palestras.
EM MARCHA O presidente Michel Temer
tenta se manter equidistante da crise política, enquanto caciques do PMDB estão
na linha de tiro (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
O desequilíbrio da balança do procurador-geral provocou a reação
imediata das classes política e jurídica. Causou espécie a maneira como o véu
que há pelo menos três semanas encobria os pedidos de prisões do quarteto do
PMDB foi retirado. Embora o relator da Lava Jato, Teori Zavascki, já estivesse
de posse da solicitação havia mais de 15 dias, os demais ministros da Supremo
Corte só tomaram conhecimento do caso pela imprensa. O vazamento, atribuído a Janot,
despertou a ira dos ministros. Na sexta-feira 10, o procurador negou estar por
trás da difusão dos áudios. “Não tenho transgressores preferidos”, acrescentou.
O leite já estava derramado. Para os ministros tratou-se de uma estratégia
destinada a pressioná-los. “É grave. Não se pode cometer esse tipo de coisa. É
uma brincadeira com o Supremo”, sapecou o ministro Gilmar Mendes. Outro
magistrado acusou Janot de fazer “política em favor do PT”. Fundamenta essa
tese o timing escolhido pelo procurador para o pedido de prisões. Argumentou o
mesmo ministro que Renan e Jucá sobreviviam incólumes, enquanto eram úteis ao
PT. Só viraram alvos depois de bandearem-se para a órbita do presidente Michel
Temer. O raciocínio faz todo sentido. Renan responde a 11 inquéritos no
Supremo, dos quais nove associados à Lava Jato. Nenhum destes recebeu denúncia
de Janot, embora os casos em questão sejam ainda mais graves.
O contra-ataque do Senado foi tecido com os fios da vingança. Primeiro,
a Casa inflada de corporativismo pôs em marcha um acordão. Se a corte
determinar a prisão dos senadores, a Senado promete inviabilizar a decisão em plenário.
“Até aqui o que se tem contra os senadores é uma mera especulação de conversas
reservadas”, antecipou-se o líder do governo, Aloysio Nunes (PSDB-SP). O passo
seguinte dos senadores será barrar qualquer tentativa de Janot de emplacar o
seu sucessor. Sabe-se no MPF do seu esforço em fazer de Nicolao Dino, irmão do
governador do Maranhão, Flávio Dino, o próximo procurador-geral da República.
“Não iremos esquecer”, afirmou um aliado de Jucá.
Que ninguém se engane: os intencionados em inviabilizar a Lava Jato
tentarão fazer valer o seu propósito ao menor sinal de equívoco processual. Foi
sintomática a solidariedade do ex-presidente Lula a Renan prestada na semana
passada. A quem interessa o afã de querer mandar apenas um grupo de políticos
para a cadeia com base em controversa sustentação legal? A resposta é
insofismável: só serve a quem está apostando suas fichas no ambiente do “quanto
pior, melhor” para ensejar novas eleições ou para aqueles que acalentam o
irrefreável desejo de melar a Lava Jato. A pretexto de mandar para a cadeia um
lote específico de políticos implicados no crime de obstrução da Justiça, o
diversionismo de Janot arrisca produzir exatamente o inverso: a proteção de
todos. E não é o que se cumpriu semana passada? Apesar da atuação de xerife, a
dura realidade se impôs: todos permanecem soltos. Peemedebistas e petistas.
A busca pela imparcialidade dos magistrados remonta ao início dos
tempos. Ao retirar do cidadão o direito à autotutela, o Estado deu-lhe como
compensação a figura do juiz: a pessoa a quem caberia a resolução de impasses
sem beneficiar nenhuma das partes. O jurista alemão Werner Goldschimidt diz que
a imparcialidade consiste na tentativa de colocar entre parênteses todas as
considerações subjetivas do julgador, de modo que este deve ser objetivo e
esquecer-se da própria personalidade. Não é o que parece orientar o
procurador-geral da República. Para o espanhol Faustino Córdon Moreno,
professor catedrático da Universidade de Navarra, o julgador imparcial deve ser
terceiro às partes, assentado na neutralidade e no desinteresse. Janot também
não parece agir como um ator desinteressado. Pelo contrário. Para o Palácio do
Planalto, em seu radar estão os votos necessários para enterrar o impeachment
de Dilma.
Uma adaptação a uma expressão sheakespeariana se encaixa com perfeição à
realidade atual. Há mais coisas entre Curitiba e Brasília do que supõe nossa vã
filosofia. Existe algo de podre no reino, para tomar emprestado outro termo da
tragédia de Hamlet. Que os rigores da lei valham para todos e a venda permaneça
sobre os olhos da deusa grega. Só assim, a Lava Jato estará resguardada e
marcará o capítulo mais importante da história do combate à impunidade no País.
TRIO AFINADO Aliado de primeira hora
de Lula e Dilma, para quem fez campanha, Pimentel tentou obstruir a Justiça
Pimentel
manobrou e ainda está sem punição
Fernando
Pimentel se mantém no governo de Minas enquanto STJ não decide se aceita
acusação contra ele
A
cada dia se complica a situação do governador de Minas Gerais, Fernando
Pimentel (PT). Ele é suspeito de receber suborno e de se beneficiar de recursos
ilícitos na última eleição. A Operação Zelotes moveu uma denúncia contra o
petista por ajudar ilegalmente montadoras quando era ministro do
Desenvolvimento, na gestão Dilma. O STJ até agora não decidiu se aceita a
acusação, o que apearia automaticamente Pimentel do cargo. Enquanto isto, o
braço-direito do petista resolveu contar tudo o que sabe em troca de redução de
pena. O empresário Benedito Rodrigues, o Bené, disse que, entre outras
operações, Pimentel recebeu milhões de empreiteiras para fazer lobby junto a
governos do exterior. Afirmou também que o governador direcionou parte do
dinheiro ilegal para negócios de um sobrinho. Não é primeira acusação contra
familiares do petista. A primeira-dama Carolina Oliveira é também alvo dos
agentes da Zelotes. Em uma estratégia suspensa pela Justiça, Pimentel tentou
nomeá-la secretária estadual para lhe dar foro privilegiado e atrapalhar as
investigações.
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